quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Contos astrais: Touros

Nivaldo Pereira – nivaldope@uol.com.br
Mal desceu do táxi, no centro da cidade, ele sentiu a força do perfume natural que emanava das laranjeiras e limoeiros dispostos nas calçadas como árvores ornamentais. Talvez por causa do calor da primavera, o aroma cítrico vibrava quase visível no ar, irradiando uma sensação de limpeza com pitadas de entusiasmo. Sabia que ia gostar de Sevilha. Foi só por hábito que agiu como nas outras paradas, deixando a bagagem no guarda-volumes da estação ferroviária e vindo explorar a cidade apenas com a mochila. Agora era só achar um hostal econômico e ir buscar a mala. Não demorou para ser interpelado por guias turísticos e donos de charretes: propostas de um passeio típico pelas ruas sinuosas e apertadas de antigamente. Não, não, gracias. Queria pisar na terra andaluza, sentir mais aquele cheiro magnético, olhar os arabescos e azulejos das casas e prédios e escutar a cantilena de vozes e ruídos dessa terra de gitanos e flamencos. Queria estar cansado quando a noite chegasse e ele viesse a desabar na cadeira de um bar para embriagar-se de vinhos e sensações.
A outonal manhã chuvosa de maio ia ao meio quando Ariadne terminou o desenho. Retocou com a borracha um detalhe da jóia maior, ao centro da gargantilha. Gostou do trabalho. Começou a pintar cada parte. Seria verde esse elo central, o maior de todos, a única pedra em meio a recortes polidos de chifre bovino. Enquanto mexia o pincel na aquarela, olhou o relógio. Tinha combinado de almoçar com uma amiga. Ariadne desconfiava de que estivessem aprontando alguma festa surpresa, para o dia seguinte, quando faria aniversário. Mas ela decidira desaparecer, esconder-se nesse dia, sem dar o paradeiro a ninguém. Não estava a fim dessa benéfica mas incômoda solidariedade dos amigos para com alguém em situação de dor. Que a deixassem lamber as próprias feridas. Um dia isso passaria. Aliás, já estava passando. E voltou a prestar atenção no projeto de gargantilha que iria ainda hoje para a confecção, a tempo do desfile no final do mês.
No segundo dia em Sevilha, ele só confirmava uma familiaridade misteriosa e excitante, que o fazia por momentos esquecer de sua condição de estrangeiro. Agora ia explorar a margem do grande rio Guadalquivir, de águas barrentas e mínimas praias arenosas faiscando sob o sol de Andaluzia. Não olharia o mapa. Ficaria na cidade tempo o suficiente para descobri-la andando, perdendo-se de bom grado pelas callejas. Nem que todo o dinheiro que ainda restava da venda do terreno fosse gasto ali. O terreno no Brasil. Grãos de areia do Guadalquivir. Tudo se desintegra. Tudo acaba. Era melhor esquecer disso... Avistou a arena monumental da Plaza de Toros de la Maestranza e para lá se dirigiu. A temporada de touradas tinha começado havia um mês. Ficou seduzido pela pintura em azulejos de um touro negro arremetendo contra um matador de capa rosada em punho. Legítima fúria animal. Não a placidez apática de bois gordos, esperando o abate, mas a reação instintiva de macho. Ele lembrou de quando vira, na fazenda do tio, peões na castração de novilhos. O animal laçado nas patas, derrubado, pescoço torcido, testículos amarrados. E a faca afiada. E o corte sangrento. Caía um touro, levanta-se um boi manso. Sentiu um nó na garganta. Não nascera para boi. E ali estava, livre, no mundo, sem apegos.
O caseiro da chácara se espantou quando viu chegar o carro da irmã da dona da casa. Ninguém aparecia ali durante a semana. Ariadne disse que ia ficar até o dia seguinte, precisava de sossego para estudar. Logo trocou de roupa e tomou a trilha que ia até o rio. Silêncio gotejante na mata úmida. Dia de aniversário, tempo nublado. Ele estava bem longe, ninguém sabia onde. O noivado, desfeito com rancor, sem diálogo. O terreno dos sonhos, vendido. Casa, casamento: nada mais. Tudo por um desejo insano, dela. Aventura de nada, coisa ridícula, carnal, mas traição, sim. A verdade não livra ninguém da culpa e nem da dor. Podia ter ficado calada sobre o fato, mas o amava e quis falar tudo. Ainda o ama, admitiu. E chorou junto com a chuva que despencou ruidosa sobre a mata.
Noite alta. A cantora morena no palco tinha uma voz forte e aveludada. Era gorducha, de cara redonda e simpatia maternal. Numa mesa, sozinho, ele tomava a terceira jarra de vinho tinto, mordendo petiscos de calamares empanados, quando escutou uma canção conhecida. Música brasileira, com o sotaque espanhol da mulher. “Só louco, amar como yo amei, só louco...” Canção de Dorival Caymmi! “Oh, insensato corazón, por que me hiciste sufrir?”. Fosse pelo vinho ou pela solidão de viajante, ele sentiu ganas de explodir, sair correndo. Quis abraçar a cantora, quis chorar. Quis até ligar para o Brasil. Perdoar tudo. Aniversário dela, lembrava sim. Mas ficou ali, emoção contida, o petisco borrachoso rolando na boca, sem engolir. Travo na goela. Dores precisam de tempo.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

III Jornada Gaúcha de Astrologia e Transdisciplinaridade

Por um lapso total de muitos integrantes do NEARS que neste blog publicam não foi divulgada aqui no Blog a III Jornada Gaúcha de Astrologia e Transdisciplinaridade, promovida pela Unipaz -Sul.

De minha parte, se desse para atravessar o oceano a nado, eu teria ido, pois a programação estava imperdível.

Mas, mesmo que totalmente em atraso segue abaixo a programação da Jornada que já aconteceu, e uma sugestão: o pessoal que participou poderia publicar aqui suas impressões, textos, etc, não?


PROGRAMAÇÃO

Desde 2005, estamos promovendo as Jornadas Gaúchas de Astrologia & Transdisciplinaridade. Nesta III edição, temos muitas novidades – o evento, além de incluir trabalhos de estudantes e profissionais, também oferece outras atividades como a análise astronômico-astrológica do Céu do Mês e o momento arte (com a participação de alunos do curso de Astrologia da Unipaz).

CRONOGRAMA:

Segunda-feira – 1º de outubro
18:00 – momento arte – apresentação de trabalho dos alunos do BVI
19:30 – Céu do Mês – Edson Souza (Porto Alegre / RS)

Terça-feira – 02 de outubro
18:00 – momento arte – Carla Renner (voz e violão)
19:30 – Mente uraniana – céu, terra e liberdade – Eduardo Krug (Porto Alegre / RS)


Quarta-feira – 03 de outubro
18:00 – momento arte – Lançamento do livro “Alumbramentos” (poemas da astróloga Isabel Mueller)
19:30 - Constelando o céu interior - Isabel Mueller (Santa Cruz do Sul / RS)


Quinta-feira – 04 de outubro
18:00 – momento arte – Juliana Wexel (teatro)
19:30 – Astrologia e literatura: a ficção simbólica de Caio Fernando Abreu - Amanda Costa (Porto Alegre / RS)


Sexta-feira – 05 de outubro
18:00 – recepção
19:00 – Astrologia construtivista – uso do mapa para a reabilitação pessoal, profissional, emocional e espiritual – Maurício Bernis (SP)
20:30 – Trânsitos de Júpiter e Plutão na astrologia médica: portais iniciáticos – Lúcia D. Torres (Porto Alegre / RS)


sábado – 06 de outubro
08:30 – minicurso com Maurício Bernis (SP) – Vocação e realização pessoal
14:30 - A um novo céu, uma nova Terra - Antonio Carlos (Bola) Harres (RJ)
15:30 - debate
16:00 - intervalo
16:30 - "Astrologia Transplutoniana: Integrando Éris e Sedna à interpretação de mapas pessoais e coletivos" - Fernando Fernandes (RJ)
17:30 - debate
18:00 - encerramento


domingo – 07 de outubro
09:00 – Aquecimento global e astrologia – Décio Domingues (Porto Alegre/RS)
10:00 – debate com a participação dos palestrantes da Jornada
11:00 - encerramento
13:00 – 17:00 – minicurso com Fernando Fernandes (RJ) – Trânsitos, ciclos planetários e imunodepressão
OBS - todo o evento será realizado na sede da UNIPAZ-SUL. É obrigatório o uso de crachá durante o mesmo.



UNIPAZ-SUL – R. Miguel Couto, 237 - Menino Deus - Porto Alegre / RS –
fones (51) 3232-5590 / 91

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Contos astrais: Sagitário

Nivaldo Pereira – nivaldope@uol.com.br

Diante da portinhola da cabine de madeira antiga, ela sentou e, com um pigarro, anunciou sua presença.
“Padre, eu queria falar com o senhor. É uma coisa que eu nunca contei a ninguém...”
“Abra seu coração, minha filha. Não há falta que Deus não possa perdoar, se há arrependimento.”
“A história é meio longa. Vou começar do começo. Um ano atrás, conheci um homem e me apaixonei na hora. Foi na fazenda de uma amiga minha. O pai dela cria cavalos de raça, tem um haras e tudo. Esse homem apareceu suado, montado num puro-sangue marrom. Lindos, ele e o cavalo. Abriu um sorriso enorme pra mim, assim, de simpatia natural, e acenou. No ato me lembrei do Capitão Rodrigo Cambará, do Erico Verissimo. Era o mesmo jeito conquistador e folgazão. Eu fiquei hipnotizada. Fui seguindo ele com o olhar, ele se misturando aos outros jóqueis da fazenda. De onde eu estava dava pra escutar a gargalhada dele, esbanjando alegria. Fiquei ainda mais louca quando ele desceu do cavalo e exibiu um par de coxas maravilhosas na malha branca da calça de montaria.”
“Não precisa entrar em detalhes, minha filha...”
“Desculpe, padre. Sou muito direta e esqueço que as pessoas têm pudores. Pois bem. Depois do almoço, os outros da casa tinham ido pra sala jogar cartas, e eu, com uns uísques na cabeça, pedi a ele pra me ensinar a cavalgar. Nessa altura já tinha rolado o maior clima entre a gente. Ele foi na garupa do cavalo, me ensinando a pressão certa da rédea. Não quero constranger o senhor, mas naquela tarde eu tive a mais intensa experiência de amor, no meio do bosque da fazenda. Combinamos em tudo, até nos excessos. Ele contou que era casado, mas que ia se separar da mulher, uma advogada muito ciumenta, que usava o filho deles como desculpa para mantê-lo preso num casamento de fachada. Desde então a gente não passou mais de dois dias sem se ver. Ficou claro que a gente nasceu um para o outro. Só que eu comecei a me cansar de ser a outra, do medo dele de ser descoberto comigo. Não sou ciumenta, padre. Também adoro liberdade e viveria muito bem com ele assim, cada um na sua casa. Mas ficava furiosa com as coisas que ele contava da mulher. Tudo bem, ele também se mostrou meio frouxo em aturar passivamente os desmandos daquela bisca medonha. Eu temia dar uma prensa nele, do tipo ou ela ou eu, e passar uma imagem de dominadora. Foi aí que eu decidi tomar umas providências. E descobri a escola em que o filho deles estudava.”
“Deus pai! O que você fez, filha?”
“Não se apavore, padre. Eu mesma, diretamente, não fiz nada. Já conheço bem o meu homem. Meu centauro é muito doce, muito desligado de tudo, só pensa em campeonatos aqui e no exterior e em virar treinador de jóqueis. Sei também que ele só reage quando tem o orgulho ferido, quando se sente enganado. Pra acabar de vez aquele casamento, só se ele descobrisse que a mulher o traía. Segui ela umas vezes, da saída do fórum, da saída do escritório. E nada que desse pinta de algum caso. Então eu pensei em criar um lance comprometedor pra ela. Eu tenho um amigo, um ex-namorado, que não tem encanações com falcatruas. Ofereci uma grana boa pra ele fazer um servicinho mole-mole, em duas etapas. Descobri os dias em que a mulher pegava o menino no colégio e os dias em que era o pai que ia lá... Está ouvindo, padre?”
“Sim, pode continuar.”
“Achei que o senhor estivesse cochilando. Meu amigo passou na saída da escola e pediu ao menino que entregasse à mãe uma caixa de bombons. Ele disse ao guri que era namorado dela, mas que o pai dele não poderia saber. Na outra semana, meu amigo voltou lá, no dia em que o pai iria buscar o filho, e deu ao pestinha um presente, um binóculo, que me custou uma fortuna, com o pretexto de que precisavam se tornar amigos. Logicamente o pai iria querer saber de tudo e a bomba explodiria. Sei que ele quando encasqueta com uma coisa, fica surdo e cego, cabeça dura total. E deu tudo certo, padre. Estamos vivendo juntos há dois meses, muito felizes. A separação corre no litigioso, porque ele não quer ver a ex-mulher nem pintada.”
“Mas você está arrependida do que fez...”
“De jeito nenhum. Foi o único jeito de ele terminar de vez o que já estava acabado. Só assim ele viu a megera com quem tinha se casado. Fiz um favor enorme pra ele e pra nossa felicidade.”
“Minha filha, o que você fez não foi certo.”
“E o que é certo, padre? Viver infeliz? Ele viver preso a um casamento falido? Eu ficar longe de quem amo porque outra mulher manipula meu homem?”
“Você também manipulou, mentiu. Quando ele descobrir, vai te abandonar.”
“Só se o senhor contar. Mas segredo de confissão é sagrado, não é padre?”
O padre ficou mudo, de olhos arregalados. E ela explodiu numa gargalhada:“Desculpa, padre. Sua cara de pânico me cortou o coração. É tudo mentira. Eu sou atéia, Odeio padre, odeio igreja, e tinha essa fantasia de inventar uma história de falta de ética que deixasse um padre sem ter o que dizer no confessionário. Mas o senhor me perdoa, não? Dar a outra face é cristão, não é, padre? O senhor me perdoa de coração, padre? Ou, na real, tem vontade de me dar um coice violento e me expulsar daqui?”